O que você salvaria num incêndio? É impossível não se perguntar esse tipo de coisa quando vemos notícias de incêndios e enchentes, de pessoas que perderam tudo. Os incêndios no sul da Califórnia, assim como as enchentes em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, são o tipo de acontecimento que nos força a olhar com empatia – e questionar o que faríamos se acontecesse conosco.
A destruição daquilo que chamamos de lar é, de certa forma, a destruição de diversas partes formadoras da nossa identidade. São fotos, livros e cartas, o vestido de casamento ou as roupas guardadas dos filhos que já cresceram. São obras de arte e os desenhos das crianças, aquela joia herdada da avó, o último presente de aniversário dado pelo pai, que já faleceu. São as paredes que presenciaram corações partidos, pedidos de casamento e as madrugadas insones com um bebê recém-nascido. É aquela mesa de cabeceira que já foi da sua mãe e hoje é o móvel mais importante da sua casa. Chega a ser quase impossível imaginar o que fica depois que tudo isso vai embora.
Sim, são perdas materiais. De certa forma, as perdas menos importantes. Mas quando se trata da nossa casa, essas perdas nunca são somente físicas. Perdemos pedaços tangíveis de memórias e objetos que retratam nosso passado. Quando a devastação atinge áreas inteiras de ruas, parques e comércio local, perdemos também cenários marcantes da nossa vida: lugares onde vivemos momentos felizes, cotidianos e especiais. O plano de fundo de boa parte da nossa história.
Claramente, reerguer-se e começar de novo é sempre possível, ainda mais quando aqueles que amamos estão bem e a salvo. Mas isso não anula o sentimento de luto por tudo aquilo que foi deixado para trás. São pertences que mantinham vivas nossas lembranças, e perdê-los significa perder, muitas vezes, esse pedacinho de nós. Uma dor agridoce, um entrelace do sentimento nostálgico por aquilo que foi vivido com a tristeza de não mais poder reaver o que se foi.
Uma casa com significado, identidade e memórias é justamente uma casa com espaço para tudo isso. Onde objetos contam histórias, têm valor sentimental e estão ali intencionalmente, convivendo com o restante da casa. Onde há beleza, cuidado e afeto em cada canto. Onde conseguimos enxergar pedaços de nós e da nossa vida. Uma casa que é um lar, pois continua conosco, mesmo quando perdemos tudo.
Para se inspirar
5 casas que, além de lindas, têm um significado especial:
A casa da Nancy Meyers tem uma história que daria um filme: a diretora comprou uma nova casa, e a reforma do imóvel iria demorar alguns anos. Assim, ela decidiu ajeitar a casa atual enquanto esperava – mas acabou se apaixonando novamente e decidiu ficar.
A casa da designer de interiores Sarah Solis tem uma história semelhante: ela tinha grandes planos de reformar o imóvel completamente, abrir as paredes e criar um layout aberto e moderno. Mas acabou se apaixonando pelo estilo antigo da casa e decidiu deixá-la como era.
Essa família se mudou para uma casa de frente para o lago, reflorestou a área e ainda decorou o novo lar com objetos antigos e heranças de família.
A designer Jenni Kayne trabalhou com o arquiteto belga Vincent Van Duysen para criar uma casa que une sensibilidade, serenidade e as prioridades da família que a habita.
Essa casa é cheia de garimpos vintage e objetos com história – e foram eles o ponto de partida para toda a decoração do lugar. Uma jornada que já começou com significado, identidade e memórias.
Para descobrir
Souvenirs: o novo projeto da cinegrafista Giovanna Borgh trata de editar, ressignificar e transformar em poesia todos aqueles registros antigos de família que se acumulam e se perdem ao longo dos anos.
Atelier TerraRosa: a designer e ilustradora Marina deixou a vida em São Paulo para construir uma casa nas montanhas e documentou todo o processo no insta do Atelier, onde ela ainda compartilha todos os objetos afetivos que cria à mão quando tem vontade.
Ellei Home: Nina e Craig Plummer estão por trás do estúdio Ellei, que une produtos de decoração e conteúdo de interiores num só lugar. O foco são criações cheias de intenção e significado, e há inclusive uma leitura maravilhosa sobre isso no blog, chamada as coisas que contam nossa história (em inglês).
Para ler
Casa Amarela – Ronaldo Buchweitz
O livro infantil é uma carta de amor aos lugares que habitam nosso coração. Quando as casas do bairro onde mora o sr. Miguel começam a ser derrubadas para dar lugar a prédios modernos, ele cria uma solução para preservar a memória de seu passado e unir a comunidade local.
Recomeço – Tembi Locke
O livro conta a história real de Tembi, que perdeu o marido, Saro, para um câncer ainda jovem. Ela e a filha precisaram reconstruir suas vidas em meio ao luto, e, para isso, passaram três verões na cidade natal de Saro, na Sicília. Ao se reconectar com suas origens e seu passado, Tembi foi, aos poucos, descobrindo como desenhar um novo futuro.
Farmhouse é um livro infantil sobre a história real de uma casa na fazenda onde a própria autora passou sua infância. O livro é repleto registros e objetos que Sophie salvou da casa, e que ajudam a contar a história daquele que, para ela, sempre foi um lugar muito especial.
Things You Save in a Fire – Katherine Center (em inglês)
O livro acompanha a história de Cassie, uma bombeira acostumada a lidar com tudo aquilo que os outros precisam deixar para trás, até que quem precisa deixar algo para trás é ela mesma. Quando sua mãe a pede que deixe seu emprego e sua cidade para se mudar para Boston, Cassie aprende que vulnerabilidade e coragem são requisitos essenciais não apenas para sua profissão – mas para refazer a vida.
Para assistir
Virgin River
A série da Netflix acompanha a história de Mel, uma enfermeira que deixa a cidade grande após uma tragédia pessoal para reconstruir sua vida numa cidadezinha no interior da Califórnia. A série está na sexta temporada e é sempre garantia de coração quentinho.
This is Us
This is Us acompanha a vida da família Pearson, desde o nascimento das crianças até o fim da vida da matriarca da família, Rebecca. É uma vida repleta de altos e baixos, do incêndio que destrói a vida da família e obriga todos a repensarem seus caminhos até os momentos mais bonitos do cotidiano que, no fim, são os que realmente compõem uma boa vida. Para rir, chorar e assistir de novo.
Encanto
Encanto segue a jornada de Mirabel, uma menina que vive numa casa mágica com toda a sua família. Por lá, todos têm um dom, menos ela. Quando as paredes da casa começam a rachar e ninguém mais percebe, Mirabel parte numa busca para entender o que está acontecendo e o que ela pode fazer para salvar a magia. Com uma boa trilha sonora e mensagens para crianças e adultos, o filme é gostoso para toda a família.
Quando a família sul-coreana Yi se muda para uma fazenda no Arkansas, no início dos anos 80, é em busca de seu próprio sonho americano. Mas esse sonho vem acompanhado de inúmeros desafios – e são eles que fazem com os Yi descubram o que realmente é preciso para transformar seu novo endereço num lar.
Para testar na cozinha
Receitas para salvar quando você não está no clima de cozinhar, mas ainda quer comer bem:
Uma entradinha de azeitonas que resolve o encontro de última hora com as amigas, rapidinho;
Um macarrão descomplicado para deixar qualquer fim de dia mais feliz;
Um bolinho de iogurte para o café do fim de semana, que parece chique e complicado mas não é;
Esse creme de chocolate com três ingredientes que é a sobremesa perfeita para quando a despensa está vazia.
Finalizando
No filme Encanto, da Disney, a menina Mirabel vive numa casa mágica onde todos os membros da família têm um dom, menos ela. Quando as paredes da casa começam a rachar, Mirabel parte numa jornada para descobrir como salvar a magia e evitar que a casa seja completamente destruída.
O que ela descobre, no entanto, é que são as rachaduras na família que estão ameaçando a casa. Sua última briga com a avó – uma tentativa de alertar a matriarca sobre esse problema – acaba por deixar a casa em ruínas. Somente quando a família se une novamente é que a casa recobra sua magia. Como se uma casa só pudesse ganhar vida por meio das pessoas que vivem nela.
Criar casas com significado, identidade e memórias requer muito mais do que pensar apenas na beleza e na funcionalidade de cada ambiente. Tampouco depende só do arquiteto ou designer de interiores. As camadas que dão vida a uma casa são construídas com sensibilidade, afeto, vulnerabilidade e respeito à história de seus habitantes – somados a um olhar apurado para trazer tudo isso à tona de uma forma que converse com o restante da casa.
O relógio que foi do avô numa vitrine de memórias na sala. As artes das crianças emolduradas numa galeria. A foto do casamento num porta-retrato ao lado da cama, e as louças que são herança de família colocadas para uso, no dia a dia. Aquele livro com dedicatória da melhor amiga na mesinha de centro e um pote bonito de vidro repleto de brinquedinhos de kinder ovo, porque você e as crianças compram o chocolate na saída da escola todas as sextas.
Uma casa com significado, identidade e memórias precisa ser cheia de amor, de vida e de história, com detalhes e sutilezas que a tornam única. Precisa ser uma casa para a qual é difícil dizer adeus, tamanhas as memórias que ela carrega. Precisa ser uma casa repleta de coisas que você salvaria em caso de incêndio. Esse é o tipo de casa que nós amamos fazer por aqui, e é também nosso maior propósito como empresa: fazer do lugar que habitamos um lugar que nos acompanhará para sempre. Pois ainda que, fisicamente, um dia ele fique para trás, continuará conosco, todos os dias, como parte do cenário da nossa história.
Com carinho,
Equipe LP
Uma resposta
Que texto lindo, nos faz repensar nossa relação com a casa!